sábado, 27 de fevereiro de 2021

OS 100 ANOS DE ZÉ DANTAS: O SERTÃO EM PESSOA

 

Foto: Reprodução


Este dia 27 de fevereiro é bastante especial para música brasileira. Em 2021 então mais ainda por ser o centenário de nascimento de um dos compositores mais geniais que passaram por esse país e um dos maiores parceiros do Rei do Baião. Estamos falando de Zé Dantas.

José de Sousa Dantas Filho nasceu em Carnaíba das Flores, Pernambuco, em 27 de fevereiro de 1921 - há exatos 100 anos. Ele foi o autor de canções que marcaram a carreira de Gonzagão e a música popular brasileira, como “A volta da asa branca”, “O xote das meninas”, “Riacho do Navio”, “Vozes da seca”, “Sabiá”, entre outras. 

Filho de um abastado dono de terras da região, o coronel Zeca Dantas, Zé Dantas começou cedo no mundo das letras escrevendo crônicas sobre folclore para uma revista chamada “Formação” do Colégio Americano Batista de Recife, onde foi estudar ainda jovem.

Costumava passar as férias escolares no sertão, quando sempre estava presente nos bailes realizados nas redondezas da fazenda da família. Nessas festas ouviu e guardou muitos versos populares, que mais tarde seriam fontes para suas composições.

Estudante de medicina, desenvolveu sua habilidade em escrever e compor canções baseadas justamente no folclore nordestino que anos antes tratava na revista do colégio. Tamanha era sua capacidade intelectual, Zé Dantas não necessitava de instrumentos musicais para acompanhar suas composições. Uma simples caixa de fósforos era o suficiente para dar o tom certo de suas criações.


Foto: Autor desconhecido


Como todo apreciador da cultura, Zé Dantas era profundo admirador do Rei do Baião. Certa vez, em 1947, Luiz Gonzaga esteve na capital de Pernambuco para algumas apresentações e reuniões com patrocinadores, quando o compositor foi até o seu encontro no Grande Hotel de Recife, onde o Velho Lua estava hospedado.

Durante a conversa, Zé Dantas mostrou seu repertório ao sanfoneiro, que ficou admirado com as músicas compostas pelo então futuro médico. Tanto que Gonzaga saiu de Recife já com a certeza de gravar aquelas músicas com mote puramente sertanejo que tanto lhe agradaram - na construção de sua biografia no livro "O Sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá, Gonzagão declarou que via o próprio sertão no rosto de Zé Dantas. 

Porém, uma condição foi imposta pelo então novo parceiro musical: que seu nome não figurasse na autoria em virtude de não agradar o seu pai coronel, que não queria o filho envolvido com a vida artística. Obviamente Luiz Gonzaga não atendeu ao pedido do jovem compositor e levou ao mundo toda a genialidade da obra de Zé Dantas com sua voz e sanfona. A partir do momento em que mostrou a Luiz Gonzaga suas primeiras composições não parou mais de fazer parceria com o sanfoneiro. Tanto que passou a acompanhá-lo em diversas gravações, shows e produções diversas.


Foto: Autor desconhecido


Nos começo dos anos 50 chegou a apresentar um programa na Rádio Jornal do Commércio do Recife, mas logo o compositor mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de fazer residência médica em obstetrícia, chegando a trabalhar no Hospital dos Servidores da então capital federal.

Ainda nos anos 50, além das músicas compostas para vários artistas, dentre eles Marinês, Carmélia Alves, Jackson do Pandeiro e Quinteto Violado, Zé Dantas voltou ao rádio com o programa "No mundo do baião", na poderosa Rádio Nacional, em que era o seu produtor juntamente com Humberto Teixeira, outro grande parceiro do Rei Baião, e cuja atração era apresentada pelo radialista Paulo Roberto. Luiz Gonzaga interagia com o apresentador e com o público ouvinte não só cantando, mas fazendo representações e descrições auditivas típicas do cotidiano nordestino.

Ao todo foram mais de 50 músicas compostas para o repertório de Luiz Gonzaga, entre 1949 e 1962, fazendo-o um dos parceiros que mais contribuíram para a carreira do Rei do Baião. Suas primeiras composições em parceria com Gonzagão foram "Vem, morena" e "Forró de Mané Vito".


Foto: Arquivo pessoal família Dantas


Zé Dantas casou-se em 1954 com Yolanda Dantas (foto acima), então professora do ensino primário do interior de Pernambuco. Para a amada fez uma letra especial gravada por Luiz Gonzaga: “A letra I”, como sendo uma declaração de amor à sua querida noiva (apesar de ter seu nome com Y). O compositor teve três filhos com Yolanda. A cantora potiguar Marina Elali é neta de Zé Dantas e segue carreira musical.

A saúde do compositor veio a ficar comprometida no início dos anos 60 após problemas no fígado e na coluna vertebral, levando-o à morte em 11 de março de 1962 com apenas 41 anos. Luiz Gonzaga perdia um de seus grandes parceiros musicais, assim como a música brasileira ficava órfã de um de seus mais geniais compositores do cancioneiro regional.  

Em 2010, a Secretaria de Cultura da Prefeitura da cidade de Recife em parceria com a Fundação de Cultura Cidade do Recife lançou o livro "Zé Dantas segundo a letra I". Na obra, sua esposa Yolanda deu vários depoimentos sobre sua vida e sua carreira artística. O livro ainda trouxe fotos inéditas, além de dois artigos sobre música escritos pelo próprio compositor.

Em 2012, sua neta Marina Elali lançou o DVD "Duetos – Homenagem a Luiz Gonzaga e Zé Dantas", justamente no ano do centenário do Rei do Baião, o maior parceiro musical de seu avô. Dentre as participações de vários artistas nas gravações, Marina cantou junto com Zé Dantas a música especialmente dedicada à avó Yolanda, "A letra I", em que pela primeira vez o público ouvia o compositor cantando.

Até hoje, mesmo após quase 60 anos de sua partida, Zé Dantas ainda é referência para vários artistas, que não deixam seu rico legado ser esquecido. Então fica aqui nossa eterna reverência a esta grande personalidade de nossa música - e também nosso agradecimento por engrandecer ainda mais a obra do Rei do Baião.

Abaixo, dois dos grandes sucessos da dupla.




O Xote das meninas - Luiz Gonzaga/Zé Dantas (1963) - Com Dominguinhos e João Bosco


"Mandacaru quando fulora na seca
É o sinal que a chuva chega no sertão
Toda menina que enjoa da boneca
É sinal de que o amor já chegou no coração
Meia comprida, não quer mais sapato baixo
Vestido bem cintado, não quer mais vestir de mão

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar...

De manhã cedo 
Já tá pintada
Só vive suspirando 
Sonhando acordada

E o pai leva ao doutor
A filha adoentada
Não come, nem estuda
Não dorme, não quer nada...

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar...

Mas o doutor 
Nem examina
Chamando o pai do lado
Lhe diz logo em surdina

Que o mal é da idade
E que prá tal menina
Não tem um só remédio
Em toda medicina...

Ela só quer
Só pensa em namorar
Ela só quer
Só pensa em namorar..."





Riacho do Navio - Luiz Gonzaga/Zé Dantas (1955) - Com Geraldo Azevedo e Alceu Valença


"Riacho do Navio
Corre pro Pajeú
O Rio Pajeú vai despejar
No São Francisco
O Rio São Francisco
Vai bater no meio do mar
O Rio São Francisco
Vai bater no meio do mar...

Riacho do Navio
Corre pro Pajeú
O Rio Pajeú vai despejar
No São Francisco
O Rio São Francisco
Vai bater no meio do mar
O Rio São Francisco
Vai bater no meio do mar...

Ah, se eu fosse um peixe
Ao contrário do rio
Nadava contra as águas
E nesse desafio

Saía lá do mar pro
Riacho do Navio
Eu ia direitinho pro
Riacho do Navio

Pra ver os meus brejinhos
Fazer umas caçadas
Ver as pegs de boi
Andar nas vaquejadas

Dormir ao som do chocalho
E acordar com a passarada
Sem rádio e sem notícia
Das terra civilizadas
Sem rádio e sem notícia
Das terra civilizadas..."


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