Foto: Deco Rodrigues/Editora Globo
Dia 12 de fevereiro passado foi uma data especial para a música brasileira, especialmente a nordestina. Pois foi neste dia há exatos 80 anos que nascia José Domingos de Moraes, ou simplesmente Neném do Acordeom ou Dominguinhos. Veio ao mundo em Garanhuns, Pernambuco, no ano de 1941 e deixou um imenso tesouro para os amantes da música popular brasileira, sobretudo do forró.
Desde criança teve o dom musical na família. Seu pai, Mestre Chicão, era sanfoneiro e seus irmãos, Moraes e Valdomiro, formavam junto com o pequeno Neném (como Dominguinhos era conhecido antes do estrelato) o trio “Três Pinguins”. Começou a tocar fole de 8 baixos com 6 anos de idade e passou a se apresentar nas feiras livres e portas de hotéis da cidade em busca de alguns trocados para ajudar a família.
Foi numa dessas apresentações que José Domingos conheceu Luiz Gonzaga, na porta do hotel Tavares Correia, no ano de 1948 e, a partir daí, sua vida mudou radicalmente. Primeiramente foi estudar no Recife, mas diante das dificuldades financeiras da família seguiu para o Rio de Janeiro junto com seus pais num pau de arara, como retirante, em 1954 e lá procurou o Velho Lua, que prontamente ajudou a família e ainda deu uma sanfona de 80 baixos ao Mestre Chicão.
Foto: Reprodução
A partir de então Neném passou a acompanhar Luiz Gonzaga em seus ensaios, gravações e apresentações, criando um forte vínculo de afetividade entre ambos até o fim da vida de ambos.
Em 1957, Dominguinhos foi surpreendido por Gonzaga quando lhe anunciou como herdeiro artístico e o colocou em estúdio pela primeira vez para gravar uma música acompanhando-o na sanfona - "Forró no escuro", de autoria do Rei do Baião. O anúncio foi realizado em uma entrevista à revista Radiolândia naquele mesmo ano e Luiz Gonzaga o fez com essas palavras:
“Ouçam bem esse cabra, o Dominguinho (sic). Toca pá daná e canta no jeito dos Gonzagas. Podem tomar nota: ele vai ser meu herdeiro artístico. Digo isso com a maior sinceridade e estou pronto a apoiar a sua carreira”.
De 1957 a 1958, Dominguinhos integrou a primeira formação do grupo Trio Nordestino, ao lado de Zito Borborema e Miudinho, que até pouco tempo então acompanhavam o grupo de Luiz Gonzaga. Depois de deixar o Trio Nordestino em 1958, continuou a se apresentar em programas de rádio e casas noturnas, até gravar seu primeiro disco, o LP “Fim de festa” em 1964. Como curiosidade, o produtor deste disco foi Pedro Sertanejo, pai de outro mestre da sanfona: Oswaldinho do Acordeon.
Foto: Jorge Rosenberg
Ter acompanhado Luiz Gonzaga por quase 40 anos fez com que Dominguinhos ganhasse reputação como grande músico e arranjador, aproximando-se de artistas consagrados nos anos 70 e 80. Foram vários trabalhos em parceria com artistas do primeiro escalão musical brasileiro, tais como Nara Leão, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Elba Ramalho, Chico Buarque, Fagner, Toquinho e outros.
Sua grande parceira de composições foi Anastácia, com a qual também foi casado por vários anos. Com a compositora pernambucana foram criadas mais de duzentas músicas.
Com o passar do tempo, a carreira de Dominguinhos acabou por se consolidar em uma trajetória própria, incluindo gêneros musicais diversos em seu repertório como bossa nova, jazz e pop. Ou seja, o sanfoneiro mostrava de uma vez por todas ser um músico completo.
Ao longo de mais de 50 anos de música, Dominguinhos ganhou diversos prêmios por sua obra. Dois Grammys latinos, Prêmio Tim de Música Brasileira e Prêmio Shell de Música foram alguns dos reconhecimentos à obra valiosíssima do mestre.
Foto: Eduardo Enomoto/R7
Nos últimos anos sua saúde começou a dar sinais de que não estava bem, tanto que foi diagnosticado com um câncer de pulmão em 2007, doença com a qual lutou bravamente por seis anos. Quis o destino que sua última apresentação se desse nos festejos do centenário de seu pai artístico Luiz Gonzaga em Exu em dezembro de 2012.
De Exu praticamente já seguiu para um hospital em Recife com quadro de arritmia cardíaca e problemas respiratórios. Dominguinhos chegou a ser transferido para São Paulo, mas veio a falecer em 23 de julho de 2013 aos 71 anos. Deixou um grande legado para as futuras gerações e deu seguimento ao reinado de Luiz Gonzaga com muita competência. Até hoje sua obra é reverenciada e assim será por várias e várias gerações.
Parabéns, Dominguinhos, pelo 80 anos de vida! Pois morre a pessoa, mas o artista nunca morrerá, ainda mais sendo alguém que deixou uma obra tão rica para a cultura nacional.
Abaixo, um pout-porri com músicas do próprio Dominguinhos e Luiz Gonzaga num show realizado no Rio de Janeiro, além de histórias e causos divertidos contados pelo sanfoneiro como era uma de suas marcas registradas.
Carece de explicação - Dominguinhos/Clodo (1979)
"Na pressa que eu tava
Não pude esperar
Eu vivo fugindo pra outro lugar
Aonde a tristeza não saiba que fui
E a felicidade vá lá.
Me pegue de novo no colo
Me faça de novo menino
Não deixe que eu morra de medo
Não deixe que eu durma sozinho.
Chega um tempo na vida
Em que a gente presta atenção
Vê que nem tudo no mundo
Carece de explicação.
Sendo assim sou mais forte
Vendo assim sou mais eu
E vou vivendo apesar
Do amor que você não me deu."
Bença, mãe - Bob Nélson (1968)
"De manhã muito cedinho
Vi meu mano levantar
Acender o candeeiro
Começou a se arrumar.
Me dizendo bem baixinho
Mano eu vou viajar
Tu toma conta de mãe
Diz pra ela não chorar.
E lá da curva da estrada
Eu vi meu mano acenar
Adeus mano, adeus mano, ai ai..
Adeus mano, a bença, mãe, ai, ai...
Virgem Maria, mãe do Senhor
Tudo morreu, tudo murchou
Peço por Deus paz no sertão
Traz meu irmão, acaba esse horror .
Não quero ouvir nunca mais
O mano outra vez gritar
Adeus, mano, adeus, mano, ai, ai...
Adeus, mano, a bença, mãe ai ai..."
Numa sala de reboco - Luiz Gonzaga/José Marcolino (1964)
"Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco.
Enquanto o fole tá tocando, tá gemendo
Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só
E ninguém nota que eu estou lhe conversando
E nosso amor vai aumentando pra coisa mais melhor.
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco.
Só fico triste quando o dia amanhece
Ai, meu Deus, se eu pudesse acabar a separação
Pra nós viver igualado a sanguessuga
E nosso amor pede mais fuga do que essa que nos dão.
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco."
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