sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O CENTENÁRIO DO REI DA ALEGRIA

Foto: Autor desconhecido


Hoje é um dia especial para a música popular brasileira, sobretudo a nordestina. Há exatos 100 anos, em 15 de janeiro de 1921, no sopé da Serra do Araripe em Exu/PE, o mundo ficava mais alegre com o nascimento de José Januário Gonzaga do Nascimento, ou simplesmente Zé Gonzaga, o futuro "Rei da Alegria" e um dos maiores sanfoneiros que este país já conheceu. 

E como o nome e a aparência deixam bem explícitos, Zé Gonzaga era irmão do Rei do Baião Luiz Gonzaga e filho de Januário e Santana - o quinto filho da família até aquele momento. Assim como o Velho Lua, Zé desde menino acompanhou seu pai na oficina de consertos de fole e nos bailes em que o patriarca animava. Assim ganhou também o gosto pela música.

Como toda a família, ajudava na agricultura também. Mas logo jovem tentou uma vida melhor fora do sertão pernambucano. Não chegou a fugir de casa como o irmão famoso, mas partiu rumo ao Rio de Janeiro num pau de arara que pegou em Petrolina depois de muitos dias de viagem. Na então capital federal não conseguiu emprego, então seguiu para São Paulo, onde finalmente arrumou trabalho na agricultura.

Porém, soube do paradeiro de Luiz Gonzaga por meio de uma carta enviada por sua mãe. Assim, voltou para o Rio de Janeiro, onde Gonzagão havia dado baixa do Exército e fixado moradia. Os irmãos, então passaram a morar juntos numa pensão e Zé ajudava carregando a sanfona de Luiz. Algum tempo depois novamente seguiu os passos do irmão mais velho e sentou praça nas Forças Armadas e por muito pouco não participou da II Guerra Mundial com a FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Itália.


Foto: Autor desconhecido


Quando deixou o Exército em meados dos anos 40, Zé Gonzaga voltou a acompanhar seu irmão Luiz que, naquele momento, já era um respeitado músico. Tanto que o Rei do Baião, reconhecendo seu grande talento e sabendo que teria futuro no ramo, presenteou-lhe com uma sanfona de 120 baixos. Sua primeira incursão nos palcos se deu na casa noturna Novo México, na Lapa. 

Zé Gonzaga era extremamente talentoso, principalmente tocando fole de 8 baixos, e logo chamou a atenção como tocador, cantor e compositor nos programas de calouros. Tanto que em 1948 foi contratado pela Rádio Guanabara com uma indicação do irmão famoso. No ano seguinte foi a vez de gravar seu primeiro disco com as músicas "Teimoso", de sua autoria, e "Vira o outro lado", de Cipó. Logo atingiu sucesso.

Ainda em 1949, com seu nome estourando nas paradas, Zé Gonzaga foi convidado pelo teatrólogo Geysa Bôscoli para sua primeira turnê internacional, antes mesmo até de Luiz Gonzaga. O sanfoneiro embarcava para Buenos Aires a fim de mostrar seu repertório aos "hermanos". Já em 1950 faria sua primeira viagem além do oceano Atlântico, quando fez parte da caravana capitaneada por Assis Chateaubriand até Paris a fim de divulgar o café e a cultura brasileiros no Casino Deauville.

Mas a relação entre os irmãos era um tanto quanto conturbada, principalmente após o sucesso do mais novo e por causa do nome artístico que passou a usar depois que oi contratado pela TV Tupi e pela gravadora Star. Passou a ser conhecido finalmente como Zé Gonzaga. Seu irmão Luiz não gostou muito da ideia, chegando até a proibir o caçula a se apresentar usando esta alcunha. Houve até notícias nas revistas e jornais a respeito do caso na época.

Segundo o próprio Luiz Gonzaga numa entrevista para tentar esclarecer a situação, Zé havia descumprido um trato entre ambos. O combinado era de usar o nome José Januário em homenagem ao pai, o que, como pode ser visto, não foi adiante e gerou toda essa celeuma.


Foto: Autor desconhecido (Luiz do lado esquerdo de Januário e Zé, de gravata)


Além do entrevero com Luiz Gonzaga por causa do nome artístico, Zé ainda teve outra de muitas confusões com o irmão por conta de sua carreira. Quando da gravação de seu primeiro LP pela Copacabana em 1957, intitulou-o de "Zé Gonzaga, sua sanfona e sua simpatia". Esta alcunha fora dada a Gonzagão por Paulo Gracindo algum tempo atrás. Obviamente o Rei do Baião lhe cobrou satisfações por mais essa encrenca.

Desavenças familiares à parte, Zé Gonzaga conseguiu seu brilho particular apesar de ter um irmão mais famoso. Foi um inovador de ritmos, pois não ficou preso à sombra do forró autêntico do Rei do Baião. Com sua sanfona tocou e cantou sambas, boogie-woogies, frevos, marchinhas, boleros e etc. Chegou a ficar conhecido como o "forró ostentação", pois ao contrário de Luiz, Zé gostava de badalação, de boemia, era mulherengo e gostava de carros. Tanto que o primeiro que adquiriu fez questão de posar para foto no capô muito bem vestido.

Seu primeiro grande sucesso musical se deu em 1950 com "Disco Voador", de José Gonçalves e Abelardo Barbosa - o famoso Chacrinha. Além desta, estourou também com "O cheiro da Carolina" em 1956, de sua autoria com Amorim Rego e que Luiz Gonzaga regravou. Em 1957 foi a vez de gravar "Pisa na fulô", de Ernesto Pires, João do Vale e Silveira Júnior, rendendo ao sanfoneiro grande repercussão e regravações com outros artistas renomados como Ivon Cury e Marinês. Em 1963 gravou mais uma música que chegou ao topo das paradas: "Baile da tartaruga", de Jaime Florence, Osmar Safety e Augusto Mesquita.

Uma de suas músicas que tocava nas apresentações, "Catingueira do sertão", tem melodia idêntica à "Juazeiro", de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (1949). Zé Gonzaga sempre frisou em suas entrevistas e shows que esta canção foi retirada da original citada acima, que era de autoria de seu pai Januário e que o irmão "roubou" para colocar uma letra diferente.

Outro fato interessante envolvendo os dois irmãos, desta vez para o bem, aconteceu em 1951, quando compôs ao lado de José Amâncio e gravou "Viva o rei" em homenagem a Luiz Gonzaga por ter escapado com vida de um acidente automobilístico ocorrido naquele mesmo ano. Dezessete anos mais tarde Gonzagão regravou a música. O Rei do Baião, inclusive, sempre frisou que o melhor sanfoneiro da família era Zé Gonzaga - depois do pai Januário, obviamente.

Zé Gonzaga também compunha músicas e fez parcerias de peso com Humberto Teixeira, Zé Dantas, João do Vale, Abelardo Barbosa (Chacrinha) e o próprio irmão Luiz Gonzaga, como por exemplo na canção "Forró de Quelemente", de Gonzagão com Zé Dantas. Viajou de norte a sul do Brasil e ficou nacionalmente conhecido como o "Rei da alegria" por seu sorriso fácil e por ser muito comunicativo e extrovertido. 

O sanfoneiro tinha múltiplos talentos e os emprestou juntamente com sua alegria também ao cinema, participando do filme "Rico ri à toa" em 1957, dirigido por Roberto Farias. Abaixo você pode conferir um trecho do longa metragem e o número musical "Zé da Onça" com Zé Gonzaga na sanfona e no vocal ao lado de Silvinha Chiozzo.




A partir dos anos 60, assim como Luiz Gonzaga, Zé começou a ter seu espaço na grande mídia bastante reduzido em virtude da febre de novos ritmos que surgiam no país, como a Bossa nova, a Tropicália e a Jovem guarda. Passou a gravar menos e se dedicar mais aos shows pelo país. 

Ao todo em sua carreira foram 15 discos lançados em vida e um póstumo. Em 2002, aos 82 anos em 12 de abril, o vozerão, a sanfona e a alegria de Zé Gonzaga parou de ecoar, vindo a falecer de problemas cardíacos. Na verdade parou presencialmente, porque em termos de legado sua presença e sua alegria estarão marcadas para outros muitos 100 anos de história como bom rei que se tornou.




Baile da Tartaruga - Jaime Florence/Osmar Safety/Augusto Mesquita (1963)


"Tartaruga deu um baile
A bicharada toda foi
O leão se embebedou
E todo mundo provocou
Provocou, provocou...

Briga no salão
Uma grande confusão
Por causa do leão
Quiseram cortar
A juba do leão
Ai que começou a confusão

Tartaruga deu um baile
A bicharada toda foi
O leão se embebedou
E todo mundo provocou
Provocou, provocou...

Nesse bafafá
Coitado do gambá
Chorava pra danar
Porque o leão
Bebendo sem parar
Virou da festa o beberrão

Tartaruga deu um baile
A bicharada toda foi
O leão se embebedou
E todo mundo provocou
Provocou, provocou..."





Disco voador - José Gonçalves/Abelardo Barbosa (1950)


"Eu vi, eu vi, eu vi
Um disco voador
Eram duas horas da manhã
Quando ele passou

A noite estava clara como o dia
Céu estreladinho como quer
Mas de repente desapareceu
E nada mais aconteceu

Um disco que é da Terra
Quando visto no além
Finalmente ninguém sabe
De onde é que ele vem

Vovó está assombrada
Com o que dizem por aí
No dia em que ele cair
O mundo vai se dividir."





Viva o Rei - Zé Gonzaga/José Amâncio (1951)


"Luiz Gonzaga não morreu
Nem a sanfona dele desapareceu
Seu automóvel na virada se quebrou
Seu zabumba se amassou
Mas o Gonzaga não morreu

O Catamilho
Seu zabumbeiro de fama
Danou a cara na lama
Quase morre o pobrezinho

E o Zequinha
O famoso rei do passo
Quase que virou bagaço
Com a pancada no focinho
Ah, coitadinho!

Luiz, escuta esse baião
Quem tá cantando com a sanfona é teu irmão
Ta esperando todo o povo brasileiro
O seu grande sanfoneiro
Com as cantigas do sertão."


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