terça-feira, 21 de julho de 2020

O MAIS CARO DOS DESCENDENTES DO REI

Foto: Deyse Euzébio/SECOM JP


A cultura brasileira, sobretudo a nordestina, amanheceu de luto nesta terça-feira. Faleceu em São Paulo, na madrugada deste dia 21 de julho aos 72 anos, Pinto do Acordeon, um dos maiores representantes do legado musical deixado por Luiz Gonzaga. O sanfoneiro já enfrentava vários problemas de saúde há alguns anos e não resistiu à luta contra um câncer de bexiga.

Nascido na pequena Conceição/PB em 12 de fevereiro de 1948, Francisco Ferreira de Lima, filho dos artesãos Josefa Ferreira e Francisco Moreno Lima, desde jovem pegou gosto pela música. Um dos 12 filhos do casal Francisco e Josefa, "Nêgo Pinto", como era conhecido, teve uma infância quase rotineira de quem nascia no interior nordestino à época: estudando quando havia condições, nas brincadeiras com os amigos e na labuta desde cedo ajudando no sustento da família.

Por volta de 1964 deixou sua terra natal, encravada no vale do Piancó, junto com sua família em direção a Patos, cidade situada nas proximidades de Conceição e bastante desenvolvida, em busca de uma situação melhor de vida. Como desde jovem já era fascinado por música e tinha o dom de por letras em diversas melodias, não demorou para conseguir adquirir sua primeira sanfona e começar a tocas nos bailes da região. Foi o primeiro passo para o sucesso que lhe esperava.


Foto: Reprodução/LP Me botando pra roer


A ligação de Pinto do Acordeon com Luiz Gonzaga vem de muito jovem, sendo o Rei do Baião, inclusive, o responsável por uma surra tomada de seu pai como contou a Dominguinhos na série "O milagre de Santa Luzia", dirigido por Sérgio Roizenblit, na qual participou de um episódio. Segundo ele, deixou de fazer um trabalho para o patriarca para ir ver um show de Gonzagão numa escola da cidade. E quando voltou pra casa sem o serviço feito, apanhou.

Apesar de extremamente talentoso com a sanfona, exímio improvisador e compositor, ainda faltava uma oportunidade de ouro para Pinto mostrar a todo o país seu grande trabalho. E ela veio no início dos anos 70, quando conheceu o próprio Rei do Baião pessoalmente através de um amigo em comum que era um dos patrocinadores das turnês de Luiz Gonzaga: o Fumo Dubom. Com um faro apurado para talentos no forró, o Velho Lua logo se encantou por aquele "Nêgo" e o convidou para apresentações pelo Brasil. Foi o pontapé inicial para sua brilhante trajetória musical.

A partir de então a carreira de Pinto do Acordeon desabrochou de vez. Ganhou uma sanfona branca de Gonzaga e passou a fazer parte do rol dos artistas nacionalmente conhecidos com todos os méritos.

Em 1976 gravou seu primeiro LP, onde consta seu primeiro grande sucesso com "Arte culinária" em parceria com Lindolfo Barbosa. Depois, foram mais de 400 músicas compostas, gravadas e/ou cedidas a outros artistas em mais de quatro décadas de carreira.


Foto: Divulgação/O milagre de Santa Luzia


Artistas dos quilates de Elba Ramalho (que é sua conterrânea da cidade de Conceicão/PB), Dominguinhos (foto acima), Fagner, Trio Nordestino, Genival Lacerda, Jorge de Altinho, Flávio José e tantos outros gravaram composições de Pinto do Acordeon. Elba, inclusive, gravou o maior sucesso da carreira de seu "vizinho", a clássica "Neném Mulher", que ficou internacionalmente conhecida por fazer parte da trilha sonora da novela Tieta, de 1989, da TV Globo. 

Em 1980 Pinto gravou "Obrigado, Luiz" no disco "As filhas da viúva" em homenagem ao seu grande mestre Luiz Gonzaga. Depois, em 1986, esteve em estúdio com o próprio Rei do Baião para gravar "Missão cumprida", de sua autoria em que homenageia outra vez Gonzaga exaltando sua carreira. Rendendo-lhe, inclusive, por parte do mestre o título desta postagem como o "mais caro dos seus descendentes".

Além da música, Pinto do Acordeon também enveredou na política. Compunha músicas para candidatos de quaisquer partidos e ideologias e tentou um mandato de vereador em Patos no anos de 1989, contudo, ficando na primeira suplência. Mudou-se para a capital João Pessoa e tentou vaga na Câmara Municipal da cidade, aí sim obtendo sucesso em duas eleições: 1993 e 1997. 

Já com a carreira plenamente consolidada, em 2008 viajou para Montreux, na Suíça, a fim de se apresentar no Festival de Jazz que acontece anualmente na cidade europeia. Ao seu lado estavam outros artistas consagrados da música brasileira como Milton Nascimento, Elba Ramalho, Gilberto Gil, Chico César, Flávio José, Aleijadinho de Pombal, dentre outros.

Em 2015 sua trajetória de sucesso virou livro, escrito por Onaldo Queiroga, com o título "Por amor ao forró" pela editora Latus. A obra é um misto de biografia do forrozeiro paraibano que dedicou mais de 40 anos de sua vida a esse ritmo tão nordestino com passagens de seu cotidiano, de sua convivência com o Rei do Baião Luiz Gonzaga e de depoimentos de outros músicos como Dominguinhos, Fagner, Chico César e Valtinho do Acordeon. 


Arte: Reprodução/WSCom


Desde 2015 Pinto do Acordeon apresentava problemas de saúde, começando com diabetes e complicações cardíacas e renais. Segundo o próprio sanfoneiro, fruto de sua vida nada regrada - era boêmio e fumante. E, por fim, um câncer na bexiga que fez com que um dos grandes nomes da cultura musical nordestina nos deixasse.

Francisco Ferreira de Lima, conhecido no mundo inteiro como Pinto do Acordeon, deixa esposa, sete filhos, 19 netos e um legado cultural inestimável para as futuras gerações com 486 músicas em seu repertório e cerca de 20 discos gravados (entre LPs e CDs), sobretudo do forró autêntico. Não à toa, como já dito, foi "o mais caro descendente de Luiz Gonzaga".

Ficam aqui nossos sentimentos à família de Pinto do Acordeon e a todos os admiradores da verdadeira arte nordestina. Agora o céu dos artistas será ainda mais animado com a presença do "Nêgo" pra embalar a festa eterna com Gonzagão, Dominguinhos, Sivuca, Marinês, Arlindo dos 8 baixos, Camarão, Mário Zan e tantas outras estrelas da nossa arte.

"Eu vou estar vivo uma vida inteira porque o artista não morre. O artista não vai morrer nunca. Ele se imortaliza." (Pinto do Acordeon)




Neném mulher - Pinto do Acordeon (1986)


"Neném, neném, neném
O que aconteceu?
Tão todos te querendo
Tu vem fica mais eu.

Neném, neném, mulher
Me dá teu coração
Que eu caso com você
Nesta noite de São João.

Basta ver como estou
Enjeitado sem amor
Vem depressa me abraçar
E por toda vida
Nunca mais nos separar."




Obrigado, Luiz! - Pinto do Acordeon (1980)


"No sertão do Pernambuco
Nasceu um cidadão
Que o mundo inteiro conhece
Como Luiz Rei do Baião

Ele é majestade
Ele é o grande rei
Me deu uma sanfona branca
Que de alegria, chorei

O baixo e a sanfona
Me dá tanta inspiração
Que agora tenho mais jeito
Pra cantar o seu baião

Só meu faltam o chapéu
O gibão e o nome seu
Mas ninguém vai herdar isso
Tudo vai para o museu

Todo sanfoneiro 
Tem que respeitar
A sua estrela de ouro
E seu modo de cantar

Bravo, Luiz!
Deus que te faça feliz
Todo nordestino
Canta e diz..."


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