terça-feira, 28 de julho de 2020

LUIZ GONZAGA, O CANGACEIRO MUSICAL

Foto: Autor desconhecido


Foto: Benjamim Abrahão/IMS


Hoje, dia 28 de julho, completam-se 82 anos do início da derrocada do cangaço no Nordeste brasileiro. Foi exatamente naquela quinta-feira nublada, com o raiar da manhã, que deu-se o fim da linha para Virgulino Ferreira, mundialmente conhecido como o cangaceiro Lampião.

Junto do Rei do Cangaço sucumbiram à volante do tenente das forças alagoanas João Bezerra mais 10 cangaceiros - e um soldado da polícia foi morto no combate, chamado Adrião. A luta deu-se na Grota do Angico, no município sergipano de Poço Redondo. E a partir de então o fenômeno social Cangaço começou a declinar até ser considerado acabado em 1940, quando da morte de outro cangaceiro renomado, Corisco.

A história bem detalhada dos acontecimentos na véspera, durante e no pós-combate de Angico está muito bem documentada no vídeo abaixo do canal do pesquisador cearense Aderbal Nogueira: "Angico - 80 anos depois". Nele, os sobreviventes e as testemunhas oculares contam com riqueza de detalhes todos os acontecimentos que culminaram no tombamento do Rei do Cangaço e de sua esposa Maria Bonita.



Virgulino Ferreira da Silva nasceu em 04 de junho de 1898 (data que mais se acredita ser a correta segundo os pesquisadores) em Vila Bela, hoje Serra Talhada, no sertão de Pernambuco. Filho de José Ferreira e Maria da Purificação, Virgulino cresceu como a maioria dos jovens do semiárido nordestino: ajudando os pais desde cedo na labuta diária e estudando quando podia.

Sua entrada para o cangaço aconteceu quando ele nem contava ainda com 20 anos de idade, muito em virtude de atritos entre sua família e a da vizinha de terras, Saturnino. Passou então a ser cabra de Sinhô Pereira, o primeiro chefe que o futuro Rei do Cangaço teve nas veredas da caatinga. 

Há relatos de historiadores em relação à origem da alcunha de "Lampião". Segundo se atesta o nome lhe foi dado por sua capacidade de atirar seguidamente e com precisão, chegando a iluminar as noites com os disparos de seus rifles.

O cangaço foi um fenômeno social que ficou marcado pelos crimes e pela violência usada pelos bandos de cangaceiros, que percorriam o sertão nordestino assaltando, pilhando e saqueando as cidades, além de cometerem assassinatos. Ocorreu do Ceará à Bahia e teve início incerto, mas constam nos registros históricos que as primeiras ações desse fenômeno se deu pelas mãos do pernambucano Cabeleira ainda no século 18.

Ainda houve outros notórios cangaceiros antes do período triunfal de Lampião: o baiano Lucas da Feira, o potiguar Jesuíno Brilhante, os pernambucanos Antônio Silvino (vulgo Rifle de ouro) e Sinhô Pereira (como já citado o primeiro líder de Virgulino), dentre outros.

Em 1922, com a "aposentadoria" de Sinhô Pereira do cangaço, o então regente do bando cangaceiro passa a coroa para o jovem Virgulino, então com 24 anos, que, a partir daí, promove uma verdadeira revolução no cangaceirismo e reina absoluto pelo próximos 16 anos.


Foto: Benjamim Abrahão/IMS


A indumentária cangaceira é bem característica, como se pode visualizar nas imagens. As roupas eram, na maioria das vezes, costuradas pelos próprios cangaceiros - homens e mulheres. Todos deveriam ter noções de costura, pois naquela vida de andarilhos e fugitivos da lei não era tarefa fácil solicitar os serviços de um alfaiate nas cidades. 

As roupas dos cangaceiros eram basicamente de couro por conta da vegetação ressequida, espinhosa e pontiaguda da caatinga do Nordeste, a fim de que não se machucassem em suas andanças - principalmente durante as fugas. Estas vestimentas eram adornadas com moedas, fitas coloridas e outras peças de metal.

O "fardamento" cangaceiro era composto por: chapéu de couro com abas dobradas e enfeitadas com pinturas, bordados ou moedas; bornais para carregar mantimentos e demais utensílios para uso durante a rotina; roupa de couro para proteção contra a vegetação e o sol escaldante; perneira para proteção contra plantas espinhosas pequenas ou animais peçonhentos, alpercatas de couro; lenço ao redor do pescoço e cantis contendo água ou cachaça.

Esta vestimenta dos cangaceiros acabou por virar um símbolo do Nordeste e que até hoje é representada em várias situações que remetem à esta região brasileira. Outro importante legado cultural deixando pelo cangaço foi o xaxado, dança idealizada pelos bandos feita sem auxílio de instrumentos musicais e marcada apenas pelo arrastado dos pés no chão ao som de batidas de palmas ou dos mosquetões contra o solo.


Foto: Autor desconhecido


Lampião era conhecido por todo o Brasil, principalmente no Nordeste, já desde os anos 20. E toda família sertaneja convivia com as incerteza e o medo de quando o bando do Rei do Cangaço poderia estar nas redondezas. E neste contexto estava inserida a família de Luiz Gonzaga, que vivia no sopé da Serra do Araripe em Exu/PE. Porém, o então jovem Luiz era fascinado pelas histórias que ouvia daquele homem e que havia visto numa foto em um jornal.

Certa vez Lampião foi motivo até para uma surra levada pelo menino Gonzaga. Conforme o sanfoneiro contou em uma entrevista à TV Educativa nos anos 80, soube-se que o cangaceiro e seu bando estavam rumando para Juazeiro do Norte/CE (tal fato ocorreu em 1926) e que havia um boato de que eles passariam por aquelas proximidades de Exu. Foi o suficiente para que várias famílias fugissem em direção à caatinga para não encontrar com a cabroeira de Lampião pelo caminho. Veja e ouça no vídeo abaixo o próprio Gonzagão contando esse causo ao entrevistador.




Gonzaga sempre teve o desejo de mostrar ao mundo toda a cultura nordestina em sua essência, seja através da música, do folclore, da natureza, dos costumes, da culinária e da indumentária. Indumentária esta que ele fez questão de incorporar às suas apresentações. No início de sua carreira como músico no começo dos anos 40, inspirado pelo sanfoneiro catarinense Pedro Raimundo, que se vestia com roupas típicas de gaúcho em suas apresentações, o Rei do Baião passou a se apresentar a partir de então com trajes típicos de nordestino – especificamente a roupa de cangaceiro.

Através de seus trajes, Gonzagão levou ao Brasil praticamente todas as representações culturais do Nordeste. O sanfoneiro sabia que por trás daquelas roupas havia todo um histórico da região, seja pela roupa do vaqueiro (o gibão também seria usado pelo Velho Lua) ou na estética do cangaço com seu colorido intenso e seus arranjos em grande quantidade. Assim, o sanfoneiro bebeu da fonte de Lampião e seus cabras para mostrar para todo o país os elementos culturais e históricos do território nordestino. 

No seu repertório também não poderia faltar menções ao Cangaço, à Lampião e seus cabras. Não demorou para incorporar em sua obra o ritmo deixado como legado pelos cangaceiros. O primeiro registro do xaxado e de menções ao cangaço foi em 1952, quando compôs com Hervê Cordovil "Xaxado". Porém, a música mais conhecida com estes motes é, sem dúvida, "Olha a pisada", em parceria com Zé Dantas no ano de 1954.

Então, nesta data tão importante e histórica para a história do Brasil, e sobretudo do Nordeste, nada mais justo que lembrar dela ao som do "cangaceiro musical", como também ficou conhecido o Rei do Baião.




Xaxado - Luiz Gonzaga/Hervê Cordovil (1952)


"Xaxado é dança macho
Dos cabra de Lampião
Xaxado, xaxado, xaxado
Vem lá do sertão

Xaxado, meu bem, xaxado
Xaxado vem do sertão
É dança dos cangaceiros
Dos cabras de Lampião

Quando eu entro no xaxado
Ai, meu Deus
Eu num paro não
Xaxado é dança macho
Primo do baião."





Lampião falou - Venâncio/Aparício Nascimento (1981)


"Eu não sei porque cheguei
Mas sei tudo o quanto fiz
Maltratei, fui maltratado
Não fui bom, não fui feliz
Não fiz tudo o quanto falam
Não sou o que o povo diz

Qual o bom entre vocês?
De vocês, qual o direito?
Onde esta o homem bom?
Qual o homem de respeito?
De cabo a rabo na vida
Não tem um homem perfeito

Aos 28 de julho
Eu passei pro outro lado
Foi no ano trinta e oito
Dizem que fui baleado
E falam em outra versão
Que eu fui envenenado

Sergipe, Fazenda Angico
Meus crimes se terminaram
O criminoso era eu
E os santinhos me mataram
Um lampião se apagou
Outros lampiões ficaram

O cangaço continua
De gravata e jaquetão
Sem usar chapéu de couro
Sem bacamarte na mão
E matando muito mais
Tá cheio de lampião

E matando muito mais
Tá assim de lampião
E matando muito mais
Na cidade e no sertão
E matando muito mais
Tá sobrando Lampião
E matando muito mais
Tá cheio de Lampião."

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