domingo, 16 de fevereiro de 2020

A CORTE REAL DO BAIÃO

Foto: Paulo Moreira/Agência OGlobo


Foto: Autor desconhecido


Nesta semana que passou a corte real do Baião esteve em festa. A sua rainha Carmélia Alves e o herdeiro do trono, que um dia foi de Luiz Gonzaga, Dominguinhos completaram mais um ano de vida (sim, considero "de vida" porque a obra de ambos continua muito viva) e deixou em festa os amantes e admiradores do trio majestoso da nossa música.

Nesta postagem vamos falar da trajetória de ambos de forma resumida, pois se fôssemos tratar de suas histórias de maneira completa não caberiam nesta página tamanho o legado que deixaram na arte musical brasileira.

Carmélia Alves Curvello nasceu em 14 de fevereiro de 1923 no Rio de Janeiro, então capital federal do país. Já veio ao mundo carregando no sangue a alma nordestina, já que seus pais eram da região – seu pai Raimundo era cearense, enquanto sua mãe Adelina era baiana. Quando criança era ninada pelo seu pai com cantigas do sertão nordestino e isso foi mais um bom motivo para lapidar o dom como uma das futuras damas da era de ouro do rádio brasileiro.

Aos 17 anos começou a enveredar para o mundo musical. Era fã de Carmem Miranda, célebre artista brasileira dos anos 30 aos 50, e sempre a acompanhava no rádio. Passou a participar de vários programas de calouros, dentre eles o de Ary Barroso, o mesmo que Luiz Gonzaga havia passado e aprovado em 1941. Carmélia também recebeu nota máxima dos jurados e entrava de vez na rota musical brasileira. 

No mesmo ano de 1940 assinou seu primeiro contrato fixo num programa radiofônico, o Picolino, apresentado por Barbosa Júnior na rádio Mayrink Veiga interpretando as canções de Carmem Miranda. E em 1943 gravou seu primeiro grande sucesso em disco: deixei de sofrer, de autoria de Dino e Popeye do Pandeiro. A curiosidade sobre esse disco é que a própria Carmélia pagou do seu bolso cerca de 400 mil réis naquele tempo (em valores atuais teríamos 49 mil e duzentos reais). E o investimento, felizmente, deu certo.


Foto: Autor desconhecido


Nos anos 40 Carmélia Alves já desfrutava do sucesso que estava fazendo com sua música. Entre 1949 gravou outros grandes sucessos de seu repertório, como “Me leva”, em dueto com Ivon Curi, “Trepa no coqueiro”, “Sabiá na gaiola”, entre outros. Esta última música, inclusive, foi o ápice naquela época da trajetória musical de Carmélia Alves.

A relação com Luiz Gonzaga, que paralelamente também fazia estrondoso sucesso nas rádios, nos shows e na vendagem de discos, estreitou-se em 1949 quando gravou ao lado de Ivon Curi “Gauchita”, de autoria do Rei do Baião com Humberto Teixeira, a primeira gravação da futura rainha de uma obra de Gonzagão. 

Neste tempo Carmélia Alves já se afeiçoara com o baião de Gonzaga e Humberto Teixeira, tanto que já gravara “Trem, ô lá lá”, de Humberto Teixeira e Lauro Maia; “o Baião em Paris”, também de Humberto Teixeira; “Adeus, minha fulô, de Sivuca e Humberto Teixeira; e ainda gravou com o mesmo Sivuca o pout-porri “No mundo do baião”.

Aliás, uma curiosidade sobre o mestre Sivuca: Carmélia Alves e seu marido e também artista Jimmy Lester são considerados os descobridores do sanfoneiro durante shows em Recife, quando conheceram o virtuoso acordeonista nos estúdios da Rádio Comércio. 

Com essa proximidade com o baião, com o sangue nordestino correndo nas veias, seu repertório repleto de ritmos da região e interpretando perfeitamente a obra de Luiz Gonzaga, nada como receber uma coroação por esses feitos de sua majestade.

Já coroado Rei do Baião um ano antes, Luiz Gonzaga concedeu o título de rainha do baião a Carmélia Alves por ser a principal intérprete do gênero. Foi em 1951, quando o Velho Lua passou a integrar o quadro fixo do programa “No mundo do baião” da Rádio Nacional, produzido pelo seu parceiro Zé Dantas.

A partir de então a dupla só consolidou a parceria durante vários anos, gravando e se apresentando juntos em várias ocasiões, notadamente no clássico LP “Seis e meia” gravado ao vivo no teatro João Caetano em 1977, no Rio de Janeiro. Carmélia também gravou vários baiões em sua carreira até o fim de sua vida. 

Nos anos 90, como uma das grandes cantoras da era de ouro do rádio no Brasil, integrou o conjunto "Cantoras do rádio" ao lado de Nora Ney, Zezé Gonzaga, Rosita Gonzales, Ellen de lima e Violeta Cavalcanti, com direito a turnê pelo Brasil com bastante sucesso.

A Rainha do Baião seguiu suas gravações e shows até praticamente o final de sua vida. Em 2008, atuou ao lado de Ellen de Lima, Carminha Mascarenhas e Violeta Cavalcanti, no documentário "Cantoras do rádio - estão voltando as flores", dirigido por Gil Baroni e Marcos Avellar, a partir de roteiro de Ricardo Cravo Albin.

O Brasil perdeu sua majestade do Baião em 3 de novembro de 2012, aos 89 anos, justamente no ano do centenário do seu grande amigo e parceiro musical Luiz Gonzaga. Entretanto, deixou toda uma obra riquíssima para a posteridade e fez jus ao seu reinado na música popular brasileira.

Foto: Divulgação


Já Dominguinhos foi nascido em Garanhuns, Pernambuco, no dia 12 de fevereiro de 1941 como José Domingos de Moraes e deixou uma imensa lacuna para os amantes da música popular brasileira, sobretudo do forró.

Desde criança teve o dom musical na família. Seu pai, Mestre Chicão, era sanfoneiro e seus irmãos, Moraes e Valdomiro, formavam junto com o pequeno Neném (como Dominguinhos era conhecido antes do estrelato) o trio “Três Pinguins”. Começou a tocar fole de 8 baixos com 6 anos de idade e passou a se apresentar nas feiras livres e portas de hotéis da cidade em busca de alguns trocados para ajudar a família.

Foi numa dessas apresentações que José Domingos conheceu Luiz Gonzaga, na porta do hotel Tavares Correia, no ano de 1948 e, a partir daí, sua vida mudou radicalmente. Seguiu para o Rio de Janeiro junto com seus pais num pau de arara, como retirante, em 1954 e lá procurou o Velho Lua, que prontamente ajudou a família e ainda deu uma sanfona de 80 baixos ao Mestre Chicão.

De 1957 a 1958, Dominguinhos integrou a primeira formação do grupo Trio Nordestino, ao lado de Zito Borborema e Miudinho, que até pouco tempo então acompanhavam o grupo de Luiz Gonzaga. Depois de deixar o Trio Nordestino em 1958, continuou a se apresentar em programas de rádio e casas noturnas, até gravar seu primeiro disco, o LP “Fim de festa” em 1964. Como curiosidade, o produtor deste disco foi Pedro Sertanejo, pai de outro mestre da sanfona: Oswaldinho do Acordeon. 


Foto: Acervo Rio Gráfica Editora


Ter acompanhado Luiz Gonzaga por quase 40 anos fez com que Dominguinhos ganhasse reputação como grande músico e arranjador, aproximando-se de artistas consagrados nos anos 70 e 80. Foram vários trabalhos em parceria com artistas do primeiro escalão musical brasileiro, tais como Nara Leão, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Elba Ramalho, Chico Buarque, Fagner, Toquinho e outros. 

Sua grande parceira de composições foi Anastácia, com a qual também foi casado por vários anos. Com a compositora pernambucana foram criadas mais de duzentas músicas.

Com o passar do tempo, a carreira de Dominguinhos acabou por se consolidar em uma trajetória própria, incluindo gêneros musicais diversos em seu repertório como bossa nova, jazz e pop. Ou seja, o sanfoneiro mostrava de uma vez por todas ser um músico completo. 

Ao longo de mais de 50 anos de música, Dominguinhos ganhou diversos prêmios por sua obra. Dois Grammys latinos, Prêmio Tim de Música Brasileira e Prêmio Shell de Música foram alguns dos reconhecimentos à obra valiosíssima do mestre. 

Nos últimos anos sua saúde começou a dar sinais de que não estava bem, tanto que foi diagnosticado com um câncer de pulmão em 2007, doença com a qual lutou bravamente por seis anos. Quis o destino que sua última apresentação se desse nos festejos do centenário de seu pai artístico Luiz Gonzaga em Exu em dezembro de 2012.

De Exu praticamente já seguiu para um hospital em Recife com quadro de arritmia cardíaca e problemas respiratórios. Dominguinhos chegou a ser transferido para São Paulo, mas veio a falecer em 23 de julho de 2013 aos 71 anos. Deixou um grande legado para as futuras gerações e deu seguimento ao reinado de Luiz Gonzaga com muita competência. Até hoje sua obra é reverenciada e assim será por várias e várias gerações.

Abaixo você acompanha gravações clássicas da corte real do Baião com o Rei, a Rainha e o herdeiro do trono.




Reis do Baião - Luiz Bandeira (1977) - com Luiz Gonzaga e Carmélia Alves


"Nosso reinado continua
Continua meu Baião

É chão, é gente
É gente, é chão
Eu sigo sonho do meu povo
Lá da nossa região

É chão, é gente
É gente, é chão
Muita terra, muita história
Do litoral ao sertão

É o padre, é o filho
É o santo, é devoção
Tudo isso tem um canto
Na batida do baião

É a lei, é a justiça
É polícia, é Lampião
Tudo isso tem um canto
Na batida do baião

Baião, baião...

Luiz Gonzaga e eu
Do baião, o rei e a rainha
O meu povo elegeu
Nós teremos sucessores

Na coroa está escrito
A quem couber pertencer
Emprestar o juramento
Que o baião vai viver

Vai tentando nossos planos
O mundo inteiro nos ouviu
Ponto forte no Araripe
Num pedaço do Brasil

A franqueza nordestina no que fala e no que sente
Ôi, lá, laiá
Tanto aplauso na verdade
Como o forró é diferente

Ôi, lá, laiá
Mas no fim ecoa tudo
Eita, Nordeste pra frente!
Mas no fim ecoa tudo
Eita, Nordeste pra frente!

Baião, baião..."





Quando chega o verão - Dominguinhos/Abel Silva (1980) - Com Dominguinhos e Luiz Gonzaga


"Quando chega o verão
É um desassosego por dentro do coração
Quem ama sofre
Quem não ama sofre mais

Sofre a menina
Sofre o rapaz
Sofre a menina
Sofre o rapaz

Canário que muda a pena, dói
Amor que muda de penas, dói
Canário que muda a pena, dói
Amor que muda de penas, dói

E tome xote, Mariquinha
E tome xote, Siá Zefinha
E tome xote
E tome mais

E tome xote, Mariquinha
E tome xote, Siá Zefinha
E tome xote
E tome mais"


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