quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

E A TREZE DE DEZEMBRO NASCEU NOSSO REI

Foto: Reprodução/LP "O Rei volta pra casa"



É que hoje é 13 de dezembro e a treze de dezembro nasceu nosso rei. Um dia muito especial para os fãs e seguidores do Rei do Baião. Nesta data, há 106 anos em Exu/PE, nascia o artista que mudaria para sempre a história da música brasileira.

Várias homenagens são feitas a Luiz Gonzaga país a fora neste período, principalmente em sua terra natal, onde ocorre neste fim de semana o "Viva Gonzagão 2018" conforme citado no post anterior. Homenagem essa que o próprio Gonzagão prestou a esse dia compondo "Treze de dezembro" ao lado de Zé Dantas em 1953. A música, um choro, originalmente é só instrumental. Entretanto, outro grande artista tratou de dar roupagem a esse clássico - Gilberto Gil em 1986 - e a letra, em que um trecho dela é o título deste post, foi mais uma bela reverência em vida ao genial cantador do sertão. No fim desta postagem você pode conferir essa bela música na voz de Elba Ramalho, acompanhada na sanfona pelo mestre Dominguinhos e do conjunto Época de Ouro (Dino 7 cordas, César, Toni, Ronaldo, Jorge Filho e Jorginho do Pandeiro).

Também na postagem de hoje o blog traz um capítulo do livro "O sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá. A obra foi narrada pelo próprio Gonzaga, numa espécie de autobiografia. O trecho, intitulado "Certa madrugada", trata da noite do nascimento de Lua no sopé da Serra do Araripe.

Vale lembrar que hoje é, por lei nº 11.176 e promulgada em 06/09/2005, o Dia Nacional do Forró justamente em alusão ao surgimento do precursor deste ritmo tão brasileiro e nordestino.


Imagem: Reprodução


CERTA MADRUGADA


Fui o segundo dos nove, o primeiro sendo Joca. Depois, em anos sucessivos ou espaçados, foram chegando Geni (Efigênia), Severino, José, Raimunda (Muniz), Francisca, Socorro e Aloísio.

Não perdiam  tempo, Januário e Santana. Havia aquele friozinho de pé de serra e os meninos foram chegando.

Naquele 13 de dezembro, madrugada braba, os galos ainda sem terem amiudado, Santana mexeu na rede de Fugênia:

- Mãe!
- Que é, menina? Tá sentindo alguma coisa?
- Tô, pode mandar chamar Mãe Januária...

Fugênia pigarreou, raspou o chão com a mão procurando o cachimbo, levantou-se e foi acordar Januário.

Januário sonhava. Acordou com a voz da sogra:

- Vai ver Januária de Jacó, que Santana tá com a dô...

Januário esfregou os olhos, ainda meio tonto, procurando se acostumar com a escuridão que se seguiu quando a sogra afastou-se. Atentou nos gemidos da mulher, espaçados lamentos que em certos instantes se transformavam em gritos. "É, pensou, tenho que ir correndo... Da outra vez, quando teve o Joca, quase morria...".

Mergulhou na madrugada em que a estrela D'alva começava a brilhar, iluminando o terreiro. Um ventinho rasteiro vinha das bandas do rio. Januário ganhou a vereda, braços cruzados por causa do frio. Um bacurau cantou ao longe. Januário estremeceu, parou, olhou o tempo. Uma "zelação" riscou o céu. O homem parou, benzeu-se e ficou à escuta. Sabia o mar distante, não de que lado, mas "zelação" cai sempre ao mar. E o barulho devia ser ouvido. Mas não veio nada. Balbuciou, assim mesmo, a oração que lhe haviam ensinado:

"Deus te salve, zelação,
Deus te leve para o mar
Para terra não se acabar"

O risco persistiu alguns minutos no céu. Januário continuava escutando. Pela primeira vez duvidou de uma crença que recebera dos antepassados. "Zelação não cai no mar". E aduziu, sentencioso, um tanto abalado: "Se caísse a gente ouvia o estrondo".

Depois lhe veio outro pensamento mais pretensioso: "Bom sinal pro menino (tinha de ser um menino) que vai chegar". Não sabia direito o que pensar. Mas tinha certeza de ser coisa boa, pois era uma estrela de luz. E deveria chamar-se Luiz, nome que lembraria aquela "zelação" a riscar o céu e a santa daquele dia.

Apressou o passo. Parou indeciso na porta de "siá" Januária. Finalmente resolveu bater, pois a mulher bem podia estar sofrendo e gritando, esperando a coragem e o alívio que só "siá" Januária sabia dar.

Esperou um momento. Bateu novamente. Uma voz de dentro disse que "já vinha". Sabia do que se tratava, Santana estando no tempo.

Januário esperou.

Logo, em silêncio, refazia o caminho para casa, acompanhando "siá" Januária, que rezava estranhas orações num batido de boca rápido e chiado.

Vieram calados, pois o homem não queria perturbar aquelas rezas que preparavam as coisas lá por cima para o parto desembaraçado.


P.S.: Zelação é o que conhecemos como "estrela cadente".





Treze de dezembro - Luiz Gonzaga/Zé Dantas (1953) - Letra: Gilberto Gil (1986)


"Bem que esta noite eu vi gente chegando
Eu vi sapo saltitando
E ao longe ouvi o ronco alegre do trovão

Alguma coisa forte pra valer.
Estava para acontecer na região
Quando o galo cantou 

O dia raiou eu imaginei
É que hoje é treze de dezembro 
E a treze de dezembro nasceu nosso Rei.

O nosso Rei do Baião
A maior voz do sertão
Filho do sonho de Dom Sebastião
Como fruto do matrimônio
Do cometa Januário
Com a estrela Santana
Ao nascer da era de Aquário
No cenário rico das terras de Exu
O mensageiro nu dos orixás.

É desse treze de dezembro
Que eu me lembrarei 
E sei que não me esquecerei jamais."



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