Foto: Reprodução
Nesta semana tem-se início os festejos do nascimento de Luiz Gonzaga, que se comemora no dia 13 de dezembro. O Rei do Baião comemora 103 anos e muitos de seus admiradores e seguidores, incluindo este que aqui escreve, estará celebrando a vida e obra do maior nome musical da história do Brasil em Exu/PE, sua cidade natal.
A partir de hoje até o domingo, dia 13, teremos aqui no blog postagens especiais que vão remeter a essa data tão especial para a cultura nordestina e brasileira. Começaremos hoje e amanhã com trechos do livro "O Sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá, contando como foi o nascimento da futura majestade no sopé da serra do Araripe. A obra é narrada pelo próprio Gonzaga, numa espécie de autobiografia.
--------------
CERTA MADRUGADA
Fui o segundo dos nove, o primeiro sendo Joca. Depois, em anos sucessivos ou espaçados, foram chegando Geni (Efigênia), Severino, José, Raimunda (Muniz), Francisca, Socorro e Aloísio.
Não perdiam tempo, Januário e Santana. Havia aquele friozinho de pé de serra e os meninos foram chegando.
Naquele 13 de dezembro, madrugada braba, os galos ainda sem terem amiudado, Santana mexeu na rede de Fugênia:
- Mãe!
- Que é, menina? Tá sentindo alguma coisa?
- Tô, pode mandar chamar Mãe Januária...
Fugênia pigarreou, raspou o chão com a mão procurando o cachimbo, levantou-se e foi acordar Januário.
Januário sonhava. Acordou com a voz da sogra:
- Vai ver Januária de Jacó, que Santana tá com a dô...
Januário esfregou os olhos, ainda meio tonto, procurando se acostumar com a escuridão que se seguiu quando a sogra afastou-se. Atentou nos gemidos da mulher, espaçados lamentos que em certos instantes se transformavam em gritos. "É, pensou, tenho que ir correndo... Da outra vez, quando teve o Joca, quase morria...".
Mergulhou na madrugada em que a estrela D'alva começava a brilhar, iluminando o terreiro. Um ventinho rasteiro vinha das bandas do rio. Januário ganhou a vereda, braços cruzados por causa do frio. Um bacurau cantou ao longe. Januário estremeceu, parou, olhou o tempo. Uma "zelação" riscou o céu. O homem parou, benzeu-se e ficou à escuta. Sabia o mar distante, não de que lado, mas "zelação" cai sempre ao mar. E o barulho devia ser ouvido. Mas não veio nada. Balbuciou, assim mesmo, a oração que lhe haviam ensinado:
"Deus te salve, zelação,
Deus te leve para o mar
Para terra não se acabar"
O risco persistiu alguns minutos no céu. Januário continuava escutando. Pela primeira vez duvidou de uma crença que recebera dos antepassados. "Zelação não cai no mar". E aduziu, sentencioso, um tanto abalado: "Se caísse a gente ouvia o estrondo".
Depois lhe veio outro pensamento mais pretensioso: "Bom sinal pro menino (tinha de ser um menino) que vai chegar". Não sabia direito o que pensar. Mas tinha certeza de ser coisa boa, pois era uma estrela de luz. E deveria chamar-se Luiz, nome que lembraria aquela "zelação" a riscar o céu e a santa daquele dia.
Apressou o passo. Parou indeciso na porta de "siá" Januária. Finalmente resolveu bater, pois a mulher bem podia estar sofrendo e gritando, esperando a coragem e o alívio que só "siá" Januária sabia dar.
Esperou um momento. Bateu novamente. Uma voz de dentro disse que "já vinha". Sabia do que se tratava, Santana estando no tempo.
Januário esperou.
Logo, em silêncio, refazia o caminho para casa, acompanhando "siá" Januária, que rezava estranhas orações num batido de boca rápido e chiado.
Vieram calados, pois o homem não queria perturbar aquelas rezas que preparavam as coisas lá por cima para o parto desembaraçado.
P.S.: Zelação é o que conhecemos como "estrela cadente".
Nenhum comentário:
Postar um comentário