Foto: Autor desconhecido
Seguindo com a semana postagens especiais nas comemorações dos 103 anos de Luiz Gonzaga, que será no próximo domingo dia 13, mais um trecho do livro "O sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá. No causo de hoje, narrado pelo próprio Rei do Baião na obra, o momento de seu nascimento e toda a tradição que rodeava o sertão nesses momentos.
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LASCOU O CANO
- Coragem, minha filha! Aproveita a dor.
- Ahn... ahn... Ui!
- Tenha calma... Vai ser um homem pra te ajudar...Fugênia! Reza a oração de São Raimundo, pra esse cristão vir ao mundo com paz e alegria... Cadê a medida da Senhora do Bom Parto? Tá amarrada na cintura?
Lá fora, num pé e n'outro, Januário impacientava-se. Tem horas que sente vontade de entrar no quarto, de perguntar como vai a coisa. Depois se lembrou do velho bacamarte. Tinha de empurrar-lhe uma carga de pólvora, dar um tiro bem forte, dizer a todo o mundo que chegara um novo filho de Januário. Em redor de três léguas, todos haviam de saber que um cabra macho tinha vindo na Caiçara, filho de Januário e Santana. Tinha de ser macho... sem dúvida... Mas se fosse uma menina? Não queria nem pensar nisso.
Correu ao canto da casa, apanhou o bacamarte e foi empurrando pólvora, sem se dar o trabalho de medir, socando com força, reforçando as buchas para o estrondo ser maior.
Da camarinha, agora, vem um grito mais alto, seguido de um gemido e de súbito silêncio. Uma voz grita da porta que se abre, bruscamente:
- Traz água quente, homem!
Januário corre pra cozinha, afasta os tições e envolve o alguidar fumegantes com rodilhas. Corre para a camarinha, sobraçando o panelão. Vê a mulher estirada, numa sonolência e escuta um berro forte. Olha interrogativamente pra mãe Januária, impaciente por saber de tudo. A velha sorri e desembucha:
- É macho, homem! Com documento e tudo!
Não espera mais nada. Corre pro terreiro e destamboca no oco do mundo o papoco mais violento que já se ouviu por aquelas bandas.
Voltou resmungando pra dentro de casa.
Mãe Januária interroga:
- Que foi isso, Januário?
- Esse diabo que não aguenta 'porva'. Lascou o cano! Mas também em volta de três léguas, não tem fio du'a égua que não tenha escutado! Só se for mouco...
Com efeito, daí a pouco começaram a chegar as visitas, perguntando pela novidade, pela meladinha, pois quase todo mundo sabia que Santana estava de tempo.
O velho Jacó foi o primeiro
- Deus guarde a quem chegou. Cadê a minha?
- Tá pronta não! Onde já se viu beber nessa hora?
O velho riu e brincou:
- Quem mandou acordarem a gente com esse trovão?
Januário riu também, deliciado:
- Viu que tiroteio? Mas também um pedaço de cano foi parar na baixa da égua...
- Conversa não, homem! Traz logo esse negócio aí que tô com um frio dos diabos...
- Só se for pura.
- Tá bom, mistura com mijo do menino e traz...
Chamaram Januário lá dentro. No açodamento ele deixou a garrafa na mão de pai Jacó. Era Santana mal refeita, que chamava. Queria combinar quem eram os padrinhos do menino. Não tinham discutido o assunto antes, devido a uma espécie de superstição. Ela sugeriu:
- Vamos dar pro seu João Moreira e dona Neném do Ubatuba apadrinharem.
- É - concorda Januário - Eu tava pensando no coronel Manul Aires...
- Não... Sinhô Aires tem muito afilhado... Vamos dar mesmo pra dona Neném e seu João Moreira.
Januário nunca foi de discussão com a mulher. Saiu calado e tudo ficou acertado.
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