quarta-feira, 4 de novembro de 2015

UM SANFONEIRO GUARDA O QUE É SEU

Foto: Reprodução


Por aqueles dias inventaram os soldados de fazer uma festinha na casa improvisada em quartel. O tenente concordou e sugeriu:

- Pernambuco, tu que tocas fole, vê se arranja um por aí e toca qualquer coisa pra divertir a tropa. Parece que estão todos com saudade do Curral.

Alguém lembrou que havia um tocador no fim da rua, dono de um belo fole. O tenente deu ordem:

- Vai lá, Pernambuco, buscar esse fole. Requisita, se o homem quiser criar caso. Hoje essa turma tem de matar as saudades...

Fui. Mas o cabra meteu-se a besta:

- Não tenho fole pra soldado, não. Harmônio não é arma de fogo. Por isso você não leva a minha.

Parece até que era eleitor do coronel do Brejo Seco. E eu, sozinho, não queria abrir um fuzuê. Fingi aceitar as razões do homem e saí de mansinho pro "quartel", a preparar-lhe a cama.

- Tenente, o homem disse que não cedia o fole. Falou que harmônica não era arma de fogo e por isso não entregava.

O tenente exasperou-se:

- Cabo Barros! - gritou - Vá Buscar o homem e o fole. Traga os dois! 

E veio, mesmo. Olhava-me com um ar de raiva concentrada. Procurei desculpar-me, apaziguar-lhe a raiva:

- Tu não estás preso não, colega. Tu está é botando sentido no que é teu...

A gargalhada foi geral.

Mas eu notava que ele me olhava de outro jeito, como antegozando o meu fracasso como tocador. E realmente eu estava um pouco emperrado. Mas logo peguei o jeito do fole e meti o aço a tocar. O tenente, entusiasmado, gritou:

- Pai-d'égua, Pernambuco!

Foi uma noite das mais divertidas, aquela.


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--> Trecho do livro "O sanfoneiro do Riacho da Brígida", de Sinval Sá, em que Luiz Gonzaga (na foto com a sanfona) faz uma autorrelato sobre sua história de carreira e de vida. Aqui o o Rei do Baião conta uma das suas muitas histórias durante a temporada em que passou como soldado do exército, entre 1930 e 1939.

Obs.: Pernambuco era um dos apelidos de Gonzaga no batalhão.


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