quinta-feira, 26 de maio de 2016

NO MUNDO DO BAIÃO

Foto: Autor desconhecido


Que o rádio foi a principal caixa de ressonância para o sucesso estrondoso de Luiz Gonzaga todos sabemos. Foi no rádio que ele iniciou sua brilhante carreira e fez sucesso perante público e crítica, além de enstusiasmar diversos fãs nos auditórios apinhados de gente e Brasil a fora querendo ver e ouvir o Rei do Baião.

Porém, Gonzagão não fez sucesso apenas cantando e tocando nos microfones das emissoras radiofônicas. O sanfoneiro chegou a comandar um programa na Rádio Nacional nos anos 50, chamado "No mundo do baião" e apresentado pelo radialista Paulo Roberto. Gonzaga interagia com o apresentador e com o público ouvinte não só cantando, mas fazendo representações e descrições auditivas típicas do cotidiano nordestino.


Foto: Autor desconhecido


O programa "No mundo do baião" também tinha as participações dos compositores Humberto Teixeira e Zé Dantas como produtores (foto acima em ação). Era patrocinado pelos produtos Royal e, juntamente com o "Programa César de Alencar" - histórico programa de auditório de variedades -, fazia parte da série "Cancioneiro Royal".

Abaixo segue transcrição* de um dos programas e que está disponível no acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Além disso, neste link estão armazenados alguns dos áudios restaurados de "No mundo baião" entre 1950 e 1951. Na foto abaixo, Gonzaga e seu músicos participando do "Programa Paulo Gracindo" da Rádio Nacional (Gracindo está de chapéu e óculos escuros na imagem).


Foto: Reprodução/EBC


Locutor: [...] Apresenta pelo Departamento de música brasileira da Rádio Nacional o Programa Cancioneiro Royal. Agora focalizando a série No Mundo do Baião. No Mundo do Baião programa de Humberto Teixeira e Zé Dantas é apresentado ao público ouvinte de todo o Brasil por Paulo Roberto e estrelado pelo sempre sanfoneiro cantor que todos apreciam Luiz Gonzaga.

[...] e dito isso vamos para o Nordeste do Brasil, ouvintes. Dentro de dois segundos estaremos (Vem Morena) no Mundo do Baião.

Apresentador Paulo Roberto: Boa noite, Amigos! Estamos novamente eu, você e todos nós No Mundo do Baião e dentro desse mundo uma figura que se destaca é Luiz Gonzaga, autêntico caboclo do seriri, antigo homem da enxada, vaqueiro, corneteiro do Exército nacional, sanfoneiro de forró e hoje esse grande artista popular que todos admiramos. Quando um dia nosso Humberto Teixeira jogou Luiz para dentro desse mundo maravilhoso de ritmos, o mundo do baião confiou nele, e naturalmente, mas, não avaliou suficientemente o papel que Luiz iria representar como autêntico embaixador da música sertaneja. Os dois juntos quebraram rotinas e tabus sobre a impossibilidade de trazer o folclore para os grandes centros [...] a história do baião está viva palpitante, provando que os dois fincaram um novo marco na evolução da música popular brasileira, e a história do baião é a história de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga como podemos ouvir nesse gostoso Macapá.

Luiz Gonzaga: Cantando Macapá...

[...]

Apresentador Paulo Roberto: Os sertanejos nordestinos, sabem falar aos bichos e os bichos entendem a fala dos sertanejos, cada um deles é chamado pelo homem de determinada maneira, o homem canta assobia, ou fala de um modo especial, atenção ouvintes, olha aqui os sertanejos nordestinos chamando as galinhas, as galhinhas [...] terreiro como é mesmo?

Luiz Gonzaga: ti, ti, ti [...] ti... [som das galinhas]

Paulo Roberto: Também os porcos, os porcos também atendem a seu chamado!

Luiz Gonzaga: kuche, kuche, kuche [...] [som do porcos] 

Paulo Roberto: E os cabritos voltam ao curral quando ele grita de longe.

Luiz Gonzaga: pache quê, pache quê [...] [som dos cabritos] 

Paulo Roberto: Os caçadores chamam a cachorrada assobiando assim

Luiz Gonzaga: fiiit, fiiit, fiiit, cool, cool, pruu… [som dos cachorros] 

Paulo Roberto: Mas para trazer os bezerros para o curral o vaqueiro assobia diferente...

Luiz Gonzaga: fiiu, fiiu, fiiu… [som dos bezerros]

Apresentador Paulo Roberto: A vaquinha rebelde deixa que o vaqueiro tire o leite, que ele se aproxima dela de mansinho com jeito como é?

Luiz Gonzaga: Ôa... Ôa...

Paulo Roberto: Na estrada quando o vaqueiro tangendo uma boiada, vê que uma vaca se desvia entrando no mato, para que ela volte ao rebanho, basta que ele grite...

Luiz Gonzaga: Ôa, hai, hai, 'rasta pra lá vaca nojenta! 

Paulo Roberto: Por isso que o matuto costuma dizer...

Luiz Gonzaga: Por farta de um grito se perde uma boiada.

Paulo Roberto: O vaqueiro do Nordeste, esse homem valente e ágil que com sua vestimenta de couro enfrenta os maiores perigos dentro do mato atrás de um boi, consegue dominar a brabeza de toda uma boiada, cantando uma canção característica, é o aboio, ouvindo a cantiga o gado caminha mansamente na estrada parecendo entendê-la.

Luiz Gonzaga: [canção] Cajueiro abalagaia, cajueiro forma, ma, lá, cajueiro abalagaia, deixa meu gado passa.

Apresentador Paulo Roberto: Esse aboio do vaqueiro do litoral nordestino, porque o vaqueiro do alto sertão não usa palavra no seu aboio e sua toada é diferente.

Luiz Gonzaga: Oi, Oi, lalá - i, lalá - i/ lalá - i, lalá - i - ô, ô, manção, hai, hai, Oi, Oi di-ti, di-ti [...]

Paulo Roberto: Foi inspirado nessa melodia que Zé Dantas, o notável folclorista que estava mostrando tudo isso a vocês até agora, compôs o vaqueiro do Nordeste e que em primeira audição passaremos a ouvir pelos Quitandinhas...

Quitandinhas: [canção] Foi quando eu era vaqueiro lá nos tabuleiros [...], tangia o meu gado lá no sertão, na cela quase cochilando, eu ia cantando a minha canção, Oi, Oi, lalá - i, lalá - i, lalá - i [...] lalá - i - ô. 

Paulo Roberto: Um vaqueiro do Nordeste veio ao Rio de Janeiro, teve saudade do berço e voltou para o sertão, mas voltou levando no coração uma saudade estranha da cidade maravilhosa. Zé Dantas e Luiz Gonzaga contam a história dessas duas saudades que se cruzam num xote sertanejo, que será apresentado agora [...] Adeus, Rio de Janeiro.



* Transcrição obtida da tese de mestrado de Jonas Rodrigues de Moraes, programas de pós-graduação da CAPES - PUC/SP. (Truce um triângulo no matulão [...] xote, maracatu e baião: a musicalidade de Luiz Gonzaga na construção da 'identidade' nordestina - http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=170227)

Nenhum comentário:

Postar um comentário